quinta-feira, 16 de abril de 2015

Hiperatividade não se resolve só com remédio

O alerta vem de especialistas da área, de olho na prescrição de Ritalina para crianças


A demanda pelo medicamento Ritalina, para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), na rede pública de saúde aumentou a partir de dezembro do ano passado. De acordo com informação da Central de Abastecimento Farmacêutico de Londrina (Centrofarma), passou de 6 mil comprimidos/mês para 8 mil a 9 mil comprimidos/mês; das 225 crianças e adolescentes cadastradas saltou para 300. Para a psicopedagogia e para a neurologista infantil, a necessidade de medicamento é real em muitos casos e sua administração é eficiente. No entanto, especialistas advertem que muitas crianças e adolescentes estão sendo medicados sem necessidade.
O neurologista infantil Clay Brites que participa das reuniões da equipe de distúrbio de aprendizagem da Unicamp (SP), diz que hoje no Brasil entre 5% e 6% das crianças e adolescentes possuem TDAH. “No mundo são 3,5% a 5,8%. O Brasil está um pouco acima, mas na média”, afirma. Ele diz não considerar exagerado o aumento do fornecimento de Ritalina pela rede pública de Londrina, mas chama a atenção para o fato de os municípios não terem um sistema de avaliação e diagnóstico multidisciplinar para trabalhar só com saúde mental na escola. “Isso reduziria em muito a necessidade do medicamento”, diz.
A coordenadora do curso de pós-graduação em psicopedagogia com foco em modularidade da mente, da UniFil, Viviany Freire, ressalta que houve aumento de queixas da escola e dos pais sobre TDAH. "O principal fator é o meio no qual a criança e o adolescente estão inseridos", afirma. Ela se refere ao cotidiano marcado pelas novas tecnologias, especialmente a internet. "As mensagens instantâneas, a rapidez com que a criança e o adolescente tem acesso a informações e a estímulos variados aceleraram o processo cognitivo das crianças." No contraponto está a escola, que não acompanhou o avanço das tecnologias e das ciências e mantém o mesmo processo de aprendizagem, fundado em cópias no quadro negro. "Essa criança que tem acesso à rapidez da aquisição de informações não dá mais conta de ficar quatro horas sentada em uma sala de aula, copiando informações do quadro negro", explica.
Nesse sentido, o neurologista Clay Brites destaca a importância, para o diagnóstico preciso, de professores com conhecimento em hiperatividade. “O professor, hoje, está cansado, não tem um olhar compreensivo e acolhedor sobre essas crianças, que são estigmatizadas como difíceis, ficam com a autoestima prejudicada e acabam sendo cooptadas por pessoas envolvidas com drogas, por exemplo. Com uma equipe multidisciplinar nas escolas, com esse olhar, conseguimos trazer essas crianças de volta”, afirma. Brites acaba de voltar de uma Conferência Internacional sobre TDAH, em Amsterdã, Holanda.
Ele diz que o Brasil é um dos países que mais pesquisa sobre o transtorno. “Só perdemos para os Estados Unidos. Mas o poder público aproveita essa experiência. Alguns municípios já estão acordando para isso.”
Propensão é maior em prematuros
Embora haja uma confusão entre agitação, falta de limites e TDAH, tanto a psicopedagoga Viviany Freire quanto o neurologista Clay Brites ressaltam que há um aumento real de casos do transtorno. Freire atribui, em muito, à genética e ao meio social em que a criança e o adolescente estão inseridos. Já Brites destaca, além desses fatores, o avanço da medicina. “O TDAH está associado a crianças prematuras. Há algumas décadas, o prematuro morria. Hoje ele sobrevive e com ele os riscos, casos como o de TDAH, por exemplo. Outro fator é o tabagismo materno, além da genética.”
Ele destaca ainda que é fundamental a identificação do problema, que começa, normalmente, a partir dos 7 anos e cujos sintomas devem aparecer em no mínimo dois ambientes. Segundo ele, o problema afeta além de rendimento escolar, a vida social e afetiva da criança e do adolescente e, se não tratado, é levado para a vida adulta, gerando problemas de desagregação familiar, no trabalho e outros. Hoje, 60% das crianças com TDAH se tornam adultos com a doença.
Postos devem retomar distribuição de Ritalina
A Prefeitura de Londrina deu prazo de 15 a 20 dias para regularizar o fornecimento do medicamento controlado Ritalina, utilizado para casos de hiperatividade em crianças e adolescentes. Conforme reportagem do JL, de 23 de maio, 300 pacientes cadastrados na rede municipal de Saúde já estavam sem o medicamento em função de dois processos licitatórios que fracassaram e impossibilitaram a compra.
Diagnóstico exige ‘olhar’ de profissionais experientes
Outro fator importante para o diagnóstico preciso da hiperatividade, segundo Clay Brites, é ser feito por um profissional experiente na área. Ele aponta que hoje, no Brasil, os profissionais mais adequados são o neurologista infantil e o psiquiatra. “Os exames são o clínico e o observacional. Não existem exames radiológicos, de sangue, eletroencefalográfico que identifiquem o transtorno.” Para o neurologista, a Ritalina é muito eficiente quando a criança e o adolescente realmente possuem o transtorno, mas só se ministrada dentro de um contexto. “A abordagem do transtorno não deve ser só remédio, deve haver abordagem psicológica, psicopedagógica e familiar”, explica. “O problema é que hoje todos ficam focados no remédio e acham que isso apenas resolve o problema. E não é assim.”
“Os pais acham que a escola tem que dar conta de tudo”
O neurologista infantil Clay Brites aponta a necessidade de transformação da escola. Para ele, os professores de hoje têm dificuldade, ainda, em implementar aulas mais dinâmicas. Outro fator são as salas superlotadas. “Dificulta muito atenção e esses alunos acabam diagnosticados com TDAH, quando o problema é o número de alunos na sala de aula”, diz.
Na avaliação da psicopedagoga Viviany Freire, a escola precisa entrar no século XXI. "Se isso não acontecer continuaremos a ter muitas crianças sendo medicadas sem necessidade." Para ela, existe um “modismo” em torno da hiperatividade, que é um dos fatores do TDAH. “A falta de limites está sendo muito confundida com estes transtornos.”
Freire ressalta a importância de a escola se repensar e ter práticas mais dinâmicas de ensinar. "O foco da escola é a aprendizagem e hoje as escolas estão muito voltadas para resolver problemas de disciplina e falta de limites, que têm que ser trabalhados pelos pais, em casa", diz. "Na rede pública os professores precisam trabalhar com casos de agressões, nas escolas particulares os pais jogam o filho lá e como estão pagando acham que a escola tem que dar conta de tudo."
Fonte: http://www.jornaldelondrina.com.br/
Escrito por Érika Pelegrino
Abraços Psico Simone Bauler Reiter

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