Dislexia – Atenção aos sinais.
O percurso até a descoberta se uma criança é ou não disléxica ainda pode ser longo e desgastante. Mais de cem anos após ter sido feito o primeiro diagnóstico de Dislexia, muitas crianças com esse distúrbio de aprendizagem ainda são consideradas por seus pais e professores como preguiçosas, desinteressadas, distraídas e outros adjetivos que elas gostariam de esquecer. A Dislexia do Desenvolvimento é considerada um transtorno específico de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizada por dificuldade no reconhecimento de palavras com precisão, dificuldade na fluência da leitura, dificuldade na habilidade de decodificação e soletração, não mais esperadas em relação à idade. Essas dificuldades resultam de um déficit fonológico da linguagem e são inesperadas, considerando-se o funcionamento intelectual dentro da média, oportunidade sociocultural e ausência de distúrbios cognitivos e sensoriais fundamentais. Assim, embora a criança não tenha um déficit intelectual, seu desempenho na leitura, e consequentemente na escrita, é aquém do esperado. Embora de base biológica, é frequentemente na escola que a Dislexia será notada pela primeira vez e, muitas vezes, demorará a ser percebida. Muitos pais estranham o fato de que aquela criança que sempre fora tão esperta, curiosa, que sabe falar sobre tantos assuntos, ao ingressar na escola, não conseguir se alfabetizar e procuram os professores para uma orientação, o que nem sem sempre ocorre de forma satisfatória. É verdade que alguns professores também notam alguma dificuldade e a demora naquela criança para aprender a ler, mas acham que é melhor esperar um pouco, antes de falar com os pais e fazer algum encaminhamento; muitos profissionais falam que é bom aguardar, que a criança terá um “clic” e tudo se resolverá. É nesse ponto que a participação do pediatra é fundamental. O pediatra é uma pessoa de confiança da família e geralmente é um dos primeiros a serem consultados quando surge um problema ou dúvida sobre o comportamento da criança nas mais diferentes esferas. Se os pais levantam a suspeita de uma dificuldade escolar, a orientação é importante para uma avaliação multidisciplinar, pois, hoje, graças às inúmeras pesquisas internacionais e nacionais, sabemos a relevância de um diagnóstico e intervenção precoces e a enorme diferença que isso pode fazer na vida da criança. Quanto mais cedo a intervenção, menor será sua duração, melhor será o resultado acadêmico do aluno e menores serão as consequências para sua autoestima. Além disso, a prevalência mundial da Dislexia é estimada em torno de 10% da população, portanto há uma chance grande de nos depararmos com uma criança com Dislexia no consultório pediátrico. Para entendermos o funcionamento cerebral do disléxico, é importante considerarmos alguns aspectos neuropsicológicos que envolvem o processamento da linguagem e desenvolvimento da leitura e escrita. Para o processamento dessas habilidades é necessária a interação de várias áreas cerebrais. Estudos mostram que em indivíduos sem Dislexia há ativação da área temporal esquerda na execução de tarefas de linguagem na análise fonológica das palavras (segmentação das unidades que a compõem). Nas áreas de associação do hemisfério esquerdo processa-se a leitura e compreensão do material lido e compreensão do vocabulário e na junção do lobo temporal e lobo occipital é realizada a análise visual da palavra, a interpretação direta da análise ortográfica da palavra, isto é, transferência direta da análise ortográfica para o significado. No lobo frontal é feita a decodificação fonológica, execução da palavra falada além da discriminação visual complexa (fechamento da palavra escrita). Em relação à escrita o lobo parietal faz a sequencialização dos símbolos gráficos, o occipital a discriminação visual dos símbolos gráficos e o lobo frontal a decodificação fonológica e programação motora. A presença da dislexia se deve a disfunções neuropsicológicas que acometem as áreas do Sistema Nervoso Central, ocasionando assim falhas na decodificação, processamento, programação e execução da leitura e da escrita. Estudos recentes, que se utilizam de Ressonância Magnética funcional, apontam que crianças com Dislexia nas provas de decodificação fonológica apresentam hipoativação ou baixa ativação metabólica da rede neural do hemisfério cerebral esquerdo em tarefas como leitura de logatomas ou não-palavras, nomeação e reconhecimento de rimas. Apontam também baixa atividade do córtex parietal, temporal e frontal esquerdo. Alguns estudos detectam a menor ativação do córtex nas áreas destinadas à compreensão da leitura, como a área de Wernicke e maior ativação da área de Broca e o giro frontal inferior do hemisfério contralateral para compensar. Devemos lembrar, portanto, que a Dislexia é um quadro amplo, que engloba um conjunto de características, sendo que várias delas podem estar presentes antes da alfabetização. Esse conjunto de características são familiares e hereditários e cabe a nós, profissionais, estarmos atentos para a correta atuação. Confira abaixo alguns sinais que podem ajudar na percepção da criança com dificuldades: SINAIS NA PRÉ-ESCOLA • Histórico familiar; • Atraso na aquisição e no desenvolvimento da fala; • Dificuldade em sustentar a atenção; • Dificuldade em aprender rimas e canções; • Fraco desenvolvimento na coordenação motora; • Dificuldade com quebra-cabeças; • Dificuldade na memorização do alfabeto e para aprender o nome das letras; • Aparente falta de interesse por livros impressos; • Dificuldade na memória de curto prazo; • Dificuldade na organização espacial; • Esquecimento dos nomes de objetos e de determinados conceitos como cor, forma e dias da semana; • Falta de estruturação na organização sequencial temporal. SINAIS NA IDADE ESCOLAR • Dificuldade na aquisição e no desenvolvimento da leitura e escrita; • Lentidão na leitura e escrita; • Problemas ao ler palavras desconhecidas e logatomas (não-palavras); • Vocabulário pobre, disnomias, sentenças curtas, com estrutura pobre ou omissão de pontuação; • Dificuldade em desenvolver o texto, principalmente em organizá-lo temporalmente; • Dificuldade na leitura e compreensão do texto lido, geralmente compreendem bem quando alguém lê o texto para ele; • Presença de substituições, omissões e inversões de fonemas e junções e/ou segmentação de palavras – disortografia; • Dificuldade na aquisição de habilidades linguísticas; • Dificuldade com análise e síntese de um som de uma palavra; • Reconhecimento lento e pobre de rima e aliteração; • Dificuldade em aprender sequências em geral (alfabeto, dias da semana, meses do ano); • Desatenção e dispersão; • Dificuldade na coordenação motora fina; • Dificuldade na coordenação motora global; • Desorganização geral e desorganização temporal: atrasos na entrega de trabalhos e no material; • Confusão entre direita e esquerda; • Inabilidade em manusear mapas e dicionários; • Dificuldade em uma segunda língua; • Dificuldade em copiar de livros ou da lousa; • Dificuldade na memória de curto prazo e na memória operacional, necessárias para a compreensão de instruções de pequenos problemas e na memorização da tabuada; • Dificuldade na matemática e desenho geométrico; • Podem ocorrer problemas atitudinais em sala de aula; • Desempenho inconstante; • Bom desempenho em provas orais. CARACTERÍSTICAS NA LEITURA E ESCRITA • Confusão entre letras, sílabas ou palavras com diferenças sutis de grafia; • Confusão entre letras, sílabas ou palavras com grafia similar, mas com diferente orientação no espaço: b-d; p-b; q-d etc.; • Inversões de sílabas; • Adições ou omissões de sons, palavras; • Repetições; • Pular linha, retroceder para linha anterior e perder a linha ao ler; • Leitura lenta e silabada; • Problemas na compreensão; • Ilegibilidade. A Dislexia pode ter alguns estados associados, as comorbidades. As mais frequentes são: Dificuldade em Matemática (discalculia); Disgrafia; Transtorno do Déficit de Atenção e hiperatividade; Comportamento desafiador; Depressão. Assim, ao se receber pais ou familiares de crianças que trazem muitas dessas queixas, o passo seguinte é o direcionamento para uma avaliação multidisciplinar, como a que realizamos na Associação Brasileira de Dislexia – ABD. Essa avaliação possibilita a detecção, se é o caso de uma criança de risco para Dislexia, ou seja, quando existem muitos sinais, mas ainda é o início do processo de alfabetização; se há a Dislexia, ou ainda, se há presença de outros distúrbios, com encaminhamento imediato para intervenção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • Aspectos neurobiológicos da aprendizagem e dos transtornos da aprendizagem- Simone Aparecida Capellini- (matéria publicada na Edição 101-jun/13- revista Direcional Educador; • Entendendo a Dislexia -Sally Shaywitz(Artmed); • Neuropsicologia do Desenvolvimento e suas interfaces- Mauro Muszkat, Claudia Berlim de Mello- (Editorama); • Transtornos da Aprendizagem – Abordagem Neurobiológica e Multidisciplinar – Newra T. Rotta, Lygia Ohlweiler, Rudimar dos S. Riesgo – (Artmed).
Texto de Aurea M. Stavale Gonçalves Psicopedagoga clínica e neuropsicóloga Credenciada pelo Centro de Avaliação e Encaminhamento da Associação Brasileira de Dislexia – ABD
Fonte: http://www.dislexia.org.br/
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