Transtornos
de aprendizagem da matemática
Muitas pessoas acreditam que a aprendizagem da matemática é um privilégio
para poucos indivíduos. Será isso verdade? Por que essa dificuldade está presente não
só na vida escolar de muitos estudantes, mas persiste no dia a dia de inúmeros
adultos? A matemática sempre foi um bicho de sete cabeças para a maioria das
pessoas e este conceito vem passando de geração a geração.
Precisamos começar a desvendar esse enigma e para isso é necessário
compreender que, ao falarmos em transtorno de aprendizagem da matemática,
podemos estar falando de diferentes causas, desde problemas cuja origem não está
com a criança, como a metodologia utilizada e a adequação do currículo, até questões
psicoafetivas, emocionais, sociais e/ou culturais.
Outros fatores como os de origem orgânica, ou seja, déficits cognitivos,
doenças psiquiátricas, danos ou doenças neurológicas também podem levar ao
fracasso acadêmico, porém esse não será específico à aprendizagem da matemática.
Existem outras causas menos conhecida até mesmo entre os profissionais da
área da educação e da saúde, e o que quero destacar aqui é o “Transtorno Específico
das Habilidades Matemáticas” ou “Discalculia do Desenvolvimento”, que faz referência
a uma desordem neurológica específica onde “os padrões normais de aquisição de
habilidades matemáticas são perturbados desde os estágios iniciais do
desenvolvimento. Esta dificuldade contrasta com um potencial cognitivo normal, não é
consequência de uma falta de oportunidade de aprender nem é decorrente de qualquer
forma de traumatismo ou de doença cerebral adquirida. Ao contrário, pensa-se que os
transtornos originam-se de anormalidades no processo cognitivo, que derivam em
grande parte de algum tipo de disfunção biológica” (CID – 10).
Podemos, portanto, concluir que a discalculia apresenta-se como uma
imaturidade das funções neurológicas ou uma disfunção sem lesão. As evidências
relacionadas à agregação familiar e herdabilidade elevada indicam uma disfunção
neurológica de origem genética.
Embora menos conhecida e menos diagnosticada, estudos realizados em
diversos países tem mostrado que a “Discalculia do Desenvolvimento” é tão prevalente
quanto os transtornos envolvendo a leitura e escrita, oscilando entre 3% e 6% das
crianças em idade escolar. É um transtorno não adquirido e de condição perseverante.
A dislexia e o TDAH podem se apresentar em comorbidade com a Discalculia,
porém esta não deve ser confundida com esses transtornos, já que a discalculia está
relacionada a uma dificuldade com o senso de magnitude, a linha numérica, o
processamento temporal e visão espacial.
Alguns sinais da dificuldade podem ser percebidos precocemente, já na pré-
escola, mas nenhum diagnóstico poderá ser feito antes que a criança tenha sido
exposta à instrução formal em matemática por pelo menos um ano, ou seja, antes que
tenha cursado o segundo ano (primeira série). Geralmente é na segunda ou terceira
série que o transtorno torna-se visível.
Os sintomas da discalculia variam de acordo com a idade. Em crianças
pequenas, entre três e seis anos, pode-se observar dificuldade na compreensão de
conceitos como igual e diferente, mais e menos, igual e diferente, contar e reconhecer
numerais até dez, classificar objeto pelo tamanho. Já no final da primeira série, as
crianças podem apresentar dificuldade para dizer, por exemplo, quais são os números
que vem antes e depois de doze, compreender os sinais + , - , x , : , montar as
operações e lembrar de procedimentos que envolvem essas operações.
Nas séries seguintes são notadas dificuldades na memorização da tabuada,
fraca capacidade para cálculo mental, na transposição de problemas escritos em
símbolos matemáticos, dificuldade na compreensão dos conceitos de medidas e falta
de automatização do cálculo levando a dependência por estratégia primitiva como o
uso dos dedos.
Além disso, um número significativo de crianças com discalculia desenvolve
sintomas de ansiedade e aversão à aprendizagem da aritmética. No adulto, a
discalculia pode se manifestar em situações do dia a dia, revelando dificuldade no
julgamento da passagem do tempo, estimar o custo de uma cesta de compras, estimar
distâncias ou medidas, fazer planejamento financeiro e até dificuldade com o uso de
calculadora.
Embora o diagnóstico não possa ser feito antes dos dez anos de idade, não
significa que antes desse tempo não possamos iniciar uma investigação sobre
dificuldades apresentadas pela criança. O melhor caminho aponta sempre em direção
ao diagnóstico e tratamento precoce. Se esperarmos até que ela esteja mais velha o
bastante para um diagnóstico apropriado, poderemos ter desperdiçado um tempo
precioso e ter causado à criança muitos anos desnecessários de esforço e frustração.
Esse diagnóstico deve ser feito por uma equipe interdisciplinar, composta por
fonoaudiólogo, neuropsicólogo, psicopedagogo e neuropediatra que avaliarão o
desempenho da criança nas diferentes áreas cognitivas. Através do levantamento do
perfil cognitivo da criança, buscam-se os subsídios necessários para o planejamento de
uma terapia eficiente, direcionada às suas dificuldades específicas. Para os
professores, o diagnóstico será valioso ao permitir planejar o trabalho corretivo exato,
através de formas alternativas de ensino, melhorando desta forma o sucesso nas
lições.
A intervenção precoce melhora o rendimento acadêmico e a qualidade de vida
da criança, minimizando os efeitos deletérios do transtorno, como o desenvolvimento
de sentimentos de frustração, desmoralização, baixa autoestima, comprometimento
da motivação para o estudo e dificuldade na integração social. A presença frequente
de comportamentos desadaptativos do tipo desobediência, agressividade e
comportamento antissocial, associados às dificuldades de aprendizagem, pode ser
evitada.
Concluindo, é fundamental que a dificuldade de aprendizagem da matemática
seja melhor compreendida para que essa área de conhecimento deixe de ser vista, de
forma simplista, como uma área de acesso restrito a poucos. Dessa forma, o
funcionamento da vida cotidiana, social e profissional de muitos adultos será
preservado. Para isso, precisamos contar com professores dedicados, famílias
acolhedoras e profissionais competentes.
Texto de Rosana De Luca Cardillo
Fonoaudióloga
fonte:http://www.dislexia.org.br
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